quarta-feira, 25 de agosto de 2010

X

Enfiei fundo ambas as mãos nos bolsos do sobretudo, apertei os braços contra o corpo e apressei o passo em direção ao metrô. O vento batia forte, direcionado pelo vale de prédios da rua Boa Vista, tornando o frio ainda maior. O céu estava completamente nublado e a paisagem parecia uma foto preto-e-branco. A respiração condensava formando uma nuvem ao sair da boca das pessoas. A entrada ficava cada vez mais próxima. Entrei.
Confortado pela ausência do vento, pude afrouxar o cachecol e caminhar mais calmamente. Segui para as catracas e comecei a descer pela escada-rolante que levava à plataforma. Estava cansado e quieto, de olhar vazio e de mente silenciosa. A noção de que era domingo aprisionava-me, amanhã seria segunda-feira e seguir-se-ia mais uma semana, que por mais que detivesse suas singularidades, seria como todas as outras, para acabar em mais um fim-de-semana, que traria consigo, mais um domingo. Dei uma leve risada ao pensar nisso.
Cheguei à plataforma ao mesmo tempo que o trem, não precisei procurar pelo vagão mais vazio, todos seguiam com poucas pessoas. Entrei, porém não sentei, pus-me a observar meu reflexo na porta sem perceber o garoto que estava encostado nela. A parede do túnel passava veloz por detrás do reflexo. Analisei por alguns segundo minha expressão sem obter quaisquer resultados, trazia o rosto branco, apesar de que alguns talvez o interpretassem diferente.
Reparei então que o garoto encostado na porta fitava-me, de rosto fechado, aparentando estar levemente bravo e me estranhando, provavelmente por pensar que eu o olhava, ao invés de meu próprio reflexo. Tinha a pele bem branca, e, por estar com a cabeça suavemente tombada para frente, tinha os negros e lisos cabelos caídos pela sua face, tornando inclusive difícil de focalizar nos seus olhos. Vestia roupas semelhantes às minhas, sobretudo aberto, camisa, jeans, tênis... Trazia um livro em mãos e parecia que eu havia interrompido sua leitura. E somente após de reparar todas estas coisas que eu me dei conta que agora de fato eu olhava para ele.
Ele levantou a cabeça, agora olhando diretamente para mim, olhos nos olhos. Não consegui manter o olhar, acabei por desviar o rosto e focalizar em um ponto qualquer do vagão. Envergonhado, sentei, de costas para ele.
Porém, logo que toquei no assento, o trem parou e já estávamos na estação Paraíso, aonde eu passaria para a linha verde, desci rápido, sem olhar novamente para o garoto, e atravessei a plataforma. Relaxei ao ficar esperando o trem e deixei meu olhar vagar pela estação, também havia poucas pessoas ali, apesar de que mais do que na estação São Bento, aonde eu subira. E meu olhar acabou por parar novamente no garoto, que, de costas para mim, também esperava o trem, em um ponto adjacente ao meu. Ele alternava em olhar para o túnel e ler.
O trem demorou uns minutos, mas por fim chegou, e tomei ciência de que entraríamos em vagões diferentes se eu entrasse no ponto em que eu estava. Não me incomodei com isso, tanto que adiantei meu pé direito em direção à porta, porém parei com ele no ar, no meio do primeiro passo e o voltei. Estranhei-me e respirei fundo, olhando para o chão e permanecendo parado ali por alguns segundos até que o sinal de que o trem partiria tirasse-me do meu pequeno transe. Respirei fundo mais uma vez, bravo, e corri para o vagão que o garoto tinha entrado, com as portas já fechando e por bem pouco meu sobretudo não ficara preso na porta. Ao entrar reparei que as pessoas olhavam-me, provavelmente pelo leve susto que minha entrada apressada causara. Inclusive ele olhava-me.
Corei no mesmo momento e, cabisbaixo, sentei-me em uma cadeira qualquer, sem me atrever a olhar para ele novamente. De canto de olho, vi ele desencostar da parede e caminhar lentamente em minha direção, já estando o trem em movimento, gelei e minhas pernas endureceram de tensão. Pensei na possibilidade dele estar vindo iniciar algum tipo de contato comigo, minhas pernas endureceram ainda mais e inconscientemente prendi a respiração.
Mas ele passou reto por mim. Meu corpo relaxou então em frustração, soltei a respiração. Senti-me bobo e me xinguei por ter entrado naquele vagão. Tentando distrair-me, tirei o celular do bolso e vi que havia uma nova mensagem, reconheci o número, apesar de já tê-lo deletado da memória do aparelho, me restringi a apagar-la, sem ler.
Senti então o assento mexer, e reparei que alguém havia sentado atrás de mim. Pensei na possibilidade de ser o garoto, minhas pernas voltaram a endurecer, mas logo me senti idiota e fiquei bravo comigo mesmo, rejeitando a hipótese. Porém, não custava olhar, não é? Meu pescoço endureceu e, assim, foi aos poucos girando para o lado, tentando ver se era ou não o garoto. E nesse breve instante reparei não só que era ele, como que ele também trazia o pescoço virado, igual à mim, na tentativa de ver-me. Virei o rosto para frente no mesmo momento.
Senti o banco mexer novamente, o garoto levantara. Ele passou do meu lado e sentou-se em um assento adjacente ao meu, quieto e olhando para o chão, trazendo ainda o livro em mãos. Meu corpo todo endureceu dessa vez, fitei o chão por alguns minutos e permanecemos apenas sob o som do trem locomovendo-se de estação para estação.

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